MAIS UMA DO GOOGLE

Reescrevendo a Internet que ele mesmo criou...

10/8/20253 min ler

O Google não para e não sabe brincar quando se trata de novidades em IA. Uma das últimas é o Learn Your Way. Para quem ainda não conhece, o Google resolveu reinventar a prensa, só que na direção oposta. Se a prensa de Guttemberg facilitou o acesso ao conhecimento dos livros ao permitir produções em escala, padronizando o conhecimento, agora o Google quer facilitar o aprendizado por meio da customização do aprendizado.

Com a prensa, não apenas os livros se tornaram acessíveis a cada vez mais pessoas, como o conhecimento pode ser padronizado. Imagine uma sala de aula com alunos que aprenderam cada um via tradição oral ou por meio de livros artesanais feitos por seus familiares. Guttemberg criou o primeiro veículo de comunicação de massa e isso até hoje é a base da educação por mais tecnologia que tenha sido agregada no processo.

Pois o "Learn Your Way" do Google reinventa esse processo completamente. A premissa é simples: usar a IA para adequar o conteúdo do livro para os interesses do aluno. Obviamente, não estamos falando em versões personalizadas de fatos históricos, embora é de se prever que isso vá acontecer.

Estamos falando de ensinar conceitos científicos de forma a tornar sua compreensão individualizada usando a IA. Como? Na proposta do Google, o conteúdo do livro é fornecido para a ferramenta, que busca no aluno suas áreas de interesse. A partir daí, a IA reescreve o conteúdo didático usando as áreas de interesse do aluno para explicar os conceitos. Por exemplo: a 3ª Lei de Newton, em vez de simplesmente ser explicada via postulado ilustrado, é aplicada num jogo de futebol para um aluno e numa manobra de skate para outro.

Se recordarmos o significado de saber de cor, que é saber com o coração, vamos lembrar que o aprendizado é tão mais fácil quanto maior a conexão entre assunto e sujeito. E é isso o que o Google quer fazer. Criar conexões que dêem dimensão humana individualizada para o aprendizado. Ah, mas usar esporte ou música para ensinar não é nada novo, você pode dizer. Professores de cursinho fazem isso há anos. E tem a técnica da mnemoniaa, que é bastante antiga.

Não é esse o ponto. Ilustra o aprendizado não tem nada de novo, mas customizar um conteúdo didático, digital ou impresso, para os interesses de cada aluno é que é novo. Sem uma IA poderosa, isso seria inviável ou o resultado muito ruim. Porque exige reescrever e rediagramar o livro. E tudo indica que isso não ficará restrito a livros: conteúdos em vídeo também poderão ser customizados. Afinal, o que interessa é o aprendizado. Os testes iniciais mostram que esse caminho parece promissor.

Mas não é só sobre customizar o aprendizado que trata esse assunto. Individualizar o aprendizado traz consequências difíceis de prever e que devem se desdobrar com o tempo. Por exemplo: que professor poderá competir com uma IA que fala com cada aluno de forma personalizada, como se fosse um professor não apenas particular como extremamente versado em inúmeros assuntos? Que escola poderá oferecer fisicamente uma estrutura compatível? O que isso vai produzir em termos de comportamento em grupo?

Eu fiz o Fundamental II e Médio no Colégio Bandeirantes, na época, o campeão em aprovação nos principais Vestibulares. Eu e quase todos os meus amigos de fato conseguimos ingresso nas melhores Universidades: a maioria entrou na sua primeira opção, o que significa que estudamos na Poli, IME, Pinheiros, São Francisco, ITA, FAU, FEA e ECA (meu caso).

Fazer Bandeirantes, que para muita gente era um moedor de alunos, criou uma identidade de grupo que foi derivada das dificuldades passadas em conjunto. A maioria dos meus amigos é dessa época. Mesmo assim, além de carreiras diferentes, temos inúmeras divergências em termos políticos, econômicos sociais apesar de termos todos bebidos da mesma fonte de conhecimento.

Pois bem, o que pode acontecer com uma geração que já vive um processo de individualização massiva, com perfis cada vez mais fragmentados. O que acontecerá quando a forma de aprendizado também for personalizada, individualizada e solitária. Que sociedade vamos criar?

Se centenas de milhares de cristão não conseguem chegar a um consenso tendo um único livro sagrado como base, o que será que vai acontecer quando essas centenas de milhões tiverem centenas de milhões de versões do mesmo fato?

Não haverá mesa de bar que poderá resolver essas diferenças.