O que faz uma marca ser uma marca?

A recente incursão da Jaguar, que resolveu tratar o segmento automotivo de luxo como uma marca de vestuário

8/5/20255 min ler

Você já se perguntou o que faz uma marca ser uma marca? O que a distingue das demais?

Essa pergunta deve estar ecoando na cabeça do pessoal da tradicional marca inglesa Jaguar. Desde que resolveu reinventar a marca, a montadora passou a viver uma montanha russa que só se compara à crise atravessada antes da compra pela Ford.

Para quem não sabe, o termo branding vem de uma palavra nórdica brandr, que significa queimar. Branding tem origem no hábito dos criadores de animais, sobretudo gado, de queimar o couro dos animais com o brasão do proprietário. Não é difícil entender a necessidade disso.

No mundo moderno, branding virou uma ciência, que busca criar um conjunto de estratégias para garantir o reconhecimento imediato de uma determina linha de produtos/serviços, gerando empatia no público-alvo definido. Fui genérico e específico ao mesmo tempo porque não estou definindo nem o segmento e nem o mercado. Os pilares do branding são o reconhecimento e empatia pelo target porque toda marca pressupõe um posicionamento.

Em recente ação ousada da Jaguar, a empresa resolveu redefinir não apenas a identidade da marca mas também de seus produtos e de seu target. Para quem não conhece, Jaguar é uma marca que se orgulha(va) de sua origem inglesa, aristocrática e de luxo. Seu target era feito por homens e mulheres de meia idade que buscavam luxo, prestígio e sofisticação. Na repaginação, muita coisa foi incluída, desde o abandono do uso de caixa alta por um misto, mudanças na fonte do logo, exclusão do Jaguar saltando, que dava nome à marca (vamos lembrar que o fundado poderia ter usado um Leão, já que seu sobrenome era Lions).

Não bastasse essa reviravolta na identidade da marca, a empresa foi mais longe: resolveu focar num novo público, mais jovem, menos tradicional, menos aristocrática e esse redirecionamento se estendeu ao produto. Na nova linha proposta o carro abandona todo seu DNA e inicia um novo caminho, tanto em termos de propulsão (da combustão para a eletricidade), como na proposta dos veículos e seus features. A tagline da campanha deixa bem claro: Não copie nada.

A pergunta é: e aí, funcionou? Porque posso passar horas divagando sobre se gosto ou não da campanha, se gosto ou não da proposta, mas o que interessa é saber se funcionou ou não. Porque não necessariamente era target e nem necessariamente sou agora. Quando analisamos alguma ação ou posicionamento, temos sempre que lembrar que talvez não seja para nosso bico.

Os resultados ainda são inconclusivos por inúmeros motivos. O mais importante é a falta de estoque tanto dos modelos anteriores quanto dos novos veículos. A ousadia da ação não foi apenas por romper com uma história de 90 anos (desde 1935), mas de descontinuar todos os modelos existentes em prol de novos que não estavam completamente prontos. Ou seja, abriu-se mão de 2.000 vendas mensais por X vendas que não se sabe quando vão acontecer. O que se lê, em geral, são críticas e comentários de que a estratégia naufragou, ao ponto de gerar a renúncia do CEO.

Eu, como entusiasta do segmento automotivo, fiquei impressionado com a ausência de detalhes sobre o que deveríamos esperar desses novos veículos. Afinal, não se trata de uma nova família de produtos dentro da marca: é toda uma nova marca apoiada em um único veículo que não se sabe se é crossover, cupê, esportivo ou tudo junto. E nem o que vão entregar. É a primeira vez que vejo uma marca automotivo não falar da performance do veículo, mas apenas da cor e da proposta inovadora.

De qualquer forma, eu acredito que possa prever o que vai acontecer e, se estiver errado, vou me manifestar futuramente. É possível que a nova marca conquiste adeptos? Sim. O barulho feito em torno de uma marca que estava em banho-maria foi grande e extrapolou o segmento automotivo? Sim. A curiosidade gerada foi significativa? Sim, também. Vai dar certo? Não acredito.

E por que não acredito? Vou tentar explicar de forma sucinta. Até entendo que a nova Jaguar não queira abordar a performance dos veículos na apresentação, por mais estranho que pareça. O motivo são os carros elétricos do mercado, sobretudo chineses. Pense num item de performance: os recordistas de Aceleração de 0 a 100km/h, Potência, Velocidade Máxima etc são duas marcas, Bugatti e Koenissegg, os únicos movidos a combustão (com ou sem ajuda elétrica) que rivalizam com os veículos elétricos, em sua maioria chineses. Ou seja, se o lema é Go Big ou Go Home, é melhor não falar desses itens.

Então, vamos falar do design, que é um elemento crucial no segmento. À parte de parecerem carros da Barbie e Ken, por conta das opções pink e azul, o maior problema da nova Jaguar é que o design é ame ou odeie, sem meios termos. A opção da marca foi sair totalmente do lugar comum, e isso gera esse tipo de reação, favorável ou contrária. Na minha opinião, o design é ruim porque não é inovador em nenhum aspecto: nada do que está sendo oferecido é único ou impensado. Nas décadas de 50 e 60 a indústria americana, nos modelos conceito, foi muito mais inovadora do que a Jaguar for agora.

Agora, vamos olhar essa questão além do aspecto ame ou odeie e vamos a questões objetivas. A Jaguar, em sua história, foi responsável pela criação do veículo que é considerado por boa parte dos especialista em automóveis como o mais bonito já lançado, o E-Type. Você pode até não se apaixonar pelo E-Type (mesmo hoje em dia, mesmo 64 anos após seu lançamento) ainda é não apenas bonito como impossível de ignorar. Mesmo que não se apaixona por ele reconhece as virtudes do design. Então, não tem como ignorar essa tradição até porque a marca não fez apenas um veículo lindo de morrer, mas alguns veículos admiráveis e quem têm tradição. Virar as costas a esse DNA é, no mínimo, assustador.

Mas tem mais. Além de lindo, o E-Type tinha um segmento muito claro: carros esportivos com desempenho além do ordinário. E isso não era apenas uma promessa, uma vez que a marca sagrou-se campeã nas principais categorias da época, sobretudo Le Mans. Ou seja, o DNA sempre foi de corrida, popularizando o verde esportivo que em geral acompanhava os modelos mais potentes da marca.

Bom, agora podemos chegar num composto final. A história da marca, apesar de vários deslizes como a venda para a Ford, é recheada de grandes feitos: o carro mais bonito, um desempenho arrepiante, uma cor que se tornou símbolo da marca (e de uma categoria) e um conceito que sobreviveu a vários erros. A marca era um ícone de esportividade, prazer em dirigir, performance e a cereja do bolo era o ruído de seus motores, especialmente os V8, celebrado pelos aficcionados.

Pois ela abandonou a cor verde, a logomarca, a tipologia, o ícone, o ruído, a performance e o charme (ou fleuma, em se tratando de marca inglesa) por um discurso e uma combinação duvidosa. Vai dar certo? Duvido. Ao mirar num público novo, a marca não atingiu ninguém, até porque a persona presente nos anúncios não é o típico apaixonado por veículo, mas por moda.

Não acho que foi ousadia: foi ignorância e desespero. Num mundo cada vez mais dominado por chineses, que conseguem criar uma nova marca mundial em meses, a Jaguar de uma de golfinho: emergiu, fez uma gracinha, e vai afundar. Se a Tata, atual dona da marca, não fizer nada, vamos encontrar os novos Jaguar no mesmo cemitério de Edsel, Saturn e outras esquisitices criadas ao longo do tempo.

A Jaguar não precisava copiar ninguém: ela tinha na sua história o único modelo que precisava ser considerado em seu reposicionamento. Um que até foi copiado, mas nunca igualado. Um que tinha pedigree e reconhecimento. Em vez disso, preferiu virar meme. Anota aí: de uma de Jaguar e sumiu.