Será o fim da Apple?

Quantos erros uma empresa pode cometer antes que seu reinado termine?

8/20/20256 min ler

Quem é fã de carteirinha da Apple tem uma lista de motivos para isso. Que me desculpem os haters, mas a Apple não chegou onde chegou por acaso. O Golden Circle, que Simon Sinek muito bem descreveu, explica a lógica por trás do sucesso que fez a empresa ficar no topo por 3 anos seguidos.

Mas isso mudou. A pegunta é: por que? Será que a Microsoft e NVidea são melhores ou a Apple é que piorou? Ou será que são as duas coisas?

Primeiro, não gosto de avaliar uma empresa pelo valor de mercado porque isso não diz nada para os consumidores. O melhor exemplo é a Microsoft: sempre esteve bem posicionada e sempre entregou um sistema operacional sem vergonha e ultrapassado, montado em cima do DOS. Ao mesmo tempo a Apple entregava muito mais e valia menos.

Vamos ao que interessa: o que está acontecendo com a Apple? Para entender, vamos a uma lista de motivos que construiu a base de fãs e que parece que estão desaparecendo.

  • Sistema Operacional impecável - sim, o sistema ainda é o melhor, mas está há mais de 10 anos sem nenhuma grande transformação. O iOS 26 promete isso e, até o momento, pelo que tenho observado, melhorou muito. Mas ainda é cedo.

  • Hardware impecável - bem, aí as coisas começam a desandar. O iPhone, qualquer um deles, é lindo e o desempenho é invejável? Sim, mas isso evoluiu muito pouco. Nem o design e nem as especificações mudaram muito, com exceção da memória. No caso dos MacBooks, a queda de qualidade é evidente: redução no número de portas foi a primeira. Mas aí vieram os teclados defeituosos, telas com problemas, recalls, problema no flex... Eu estou no meu segundo MacBook da última geração e o terceiro no total. O meu primeiro, de 2008, funciona até hoje. O segundo, de 2017, já foi 3 vezes para recall para trocar teclado, tela, flex e bateria. O terceiro, em 2 anos, já está com problemas no teclado. E não sou o único: tenho vários outros casos que conheço pessoalmente.

  • Identidade visual - pra falar a verdade, não mudou muito, mas isso não necessariamente é ruim. A identidade da Apple é notória e continua sendo referência, mas não trouxe nada inovador além das cores e diferentes modelos. Os MacBooks perderam a maça iluminada, que era muito legal, os iPhones perderam o botão home, o que dá pra entender e o novo Sistema Operacional é bem interessante. Essa talvez seja a maior novidade dos últimos tempos.

  • Inovação - aí é que o bicho pega. Depois da morte de Steve Jobs, a Apple só lançou de novo: AirPods (sucesso absoluto, produto incomparável), Apple Watch (que já estava no forno e é um sucesso), Air Vision (que é muito legal mas que só vendeu metade do previsto), Home Pods (que não matou os concorrentes como o iPod) e Air Tags (que é um produto menor). O resto foi apenas atualização. E aí é que começa a ficar evidente o problema. Quão melhor é o iPhone 16 em relação ao 6s? Quão mais caro ficou? Cadê as telas dobráveis, os notes com tela touch, o Air Power (prometido e nunca lançado) e a evolução da Siri? E o carro da Apple?


A Apple de hoje parece sofrer da síndrome da viúva de Steve Jobs: evita mexer muito no que o falecido deixou, com medo de desonrar sua memória. Toda a ousadia que o levou a criar produtos inovadores e transformar a Apple de uma empresa de computadores numa empresa de eletrônicos parece ter morrido com ele. Quer um exemplo? A Apple é a maior acionista da Disney porque era a maior acionista da Pixar quando a Pixar se tornou a maior acionista da Disney. O que a Apple fez com esse patrimônio que inclui Pixar, StarWars e Marvel, por exemplo? Nada.

  • Uma capinha de iPhone de titânio com a identidade do Homem de Ferro, uma película de safira e um carregador por indução com o coração atômico do personagem e um aplicativo que transforma a voz da Siri no Jarvis são coisas que só a Apple poderia fazer e que aumentaria substancialmente o ticket médio dos clientes. Para quem acha que a Apple não faz isso, até recentemente o Apple Music (quando era iTunes) usava a silhueta do Bonovox do U2 por conta da parceria fechada, que incluía os produtos Red.

  • Ou que tal um celular dobrável com a case do Hulk, que muda de acordo com o desdobramento da tela? Cores para os celulares (vermelho, verde, azul) a Apple tem. Ou uma capa do Sully de Monstros SA que tem um carregador por indução em forma de tanque de gritos? Ou mesmo a evolução da Siri para o Jarvis, aproveitando que a Apple não consegue entender o que fazer com a Inteligência Artificial. Essas são apenas algumas ideias que resolveriam o dilema de aumentar a receita e inovar.

  • Tem mais: que tal uma Inteligência Artificial que conversa com o usuário com base nos personagens de Divertidamente, de acordo com o humor dele, como se fosse um misto de assistente pessoal e conselheira?

No passado antigo da Apple, quando ela só fabricava computadores, essas parcerias não faziam muito sentido, mas numa empresa de consumo elas fazem todo o sentido. Nem a Apple, que não licencia nada para ninguém, pode se dar ao luxo de ignorar uma tendência de negócios que envolve outras marcas que, por acaso, ela quase possui. Seria dinheiro entrando de todos os lados, incluindo a conquista de crianças, que hoje só se identificam com iPhone e iPad.

A estratégia de maximizar os lucros aumentando os preços e mantendo as inovações a conta gotas é o oposto do que Steve Jobs fazia. Do ponto de vista de gestão, hoje a Apple quase não compra empresas inovadoras (como fez com a Siri, por exemplo), mas gasta muito com dividendos e recompra de ações, coisas que Jobs também era contra.

Por conta do aumento de preços e ausência de inovação, o iPhone 15 foi um fracasso, o iPhone 16, também, o Air Vision não vende o pretendido e os concorrentes ocupam os espaços deixados. A verdade é que a Apple não é mais a referência em termos de inovação e, se nada mudar, esse é o princípio do fim. Inovar não é difícil, mas manter a liderança nas inovações é. Steve Jobs não sossegava enquanto não chegava no que queria e uma das primeiras coisas que ele fez ao voltar para a Apple após ser defenestrado foi acabar com as múltiplas variações de produto sem sentido. Ele reduziu a extensa linha de computadores e acessórios que muitas vezes nem eram fabricados pela Apple (como as impressoras) e focou em 4 produtos. O que a ausência de inovação na ausência dele fez na época é o que tenta todo CEO focado em custos: extensão de linha. Muda uma peça e chama com outro nome, muda uma cor e pronto. Esse era o caos em 1997 e parece se repetir quase 30 anos depois: qualquer semelhança com iPhone 15, 16, 16E, 16 Max, 16 Pro, 16 MaxPro com 10 opções de cores não é mera coincidência. Em vez de optar por inovar, a Apple optou por criar produtos semelhantes com preços diferentes para tentar ocupar todos os nichos, mas não é apenas preço que decide essa parada. Um celular barato pode custar mais que um top com os acessórios certos. E não existe quem não use esses acessórios hoje, sejam capinhas, películas, carregadores ou qualquer outro penduricalho.

Não vejo no horizonte nenhuma medida para reverter essa situação. Na verdade, nos últimos anos, o lançamento de novos iPhones, por exemplo, tem sido uma decepção geral. Não existe mais motivos para esperar na fila e ser o primeiro a comprar não apenas porque ninguém vai reparar que você comprou como o prazo entre lançamento e disponibilização só aumenta. E, entre as grandes, a Apple é apenas a quarta em investimento em pesquisa e inovação.

Empresas que são reféns do mercado de ações e sentam em cima dos louros do passado têm aos montes: Kodak, Xerox, GM... Todas elas preferiram focar em ganhar dinheiro evitando se arriscar em novas apostas e novas tecnologias. Todas acharam que o mercado ela delas e nunca ia mudar de verdade. Todas preferiam os lucros aos riscos de um novo segmento. Em 1997 essa foi a lição que Jobs aprendeu e aplicou na Apple. E Tim Cook não aprendeu, pelo visto. Questionar se a IA funciona ou não é papel de CEO de empresas wannabe, não da empresa que é vista como líder em inovação.

Quando a Internet surgiu, mais da metade das empresas torcia o nariz. Nessa mesma época, Jobs lançou o primeiro iMac sem entrada para disquete, obrigando a depender da Internet. Xingaram-no de louco. Como tinham feito quando comprou a Pixar, quando lançou um smartphone sem teclado e sem caneta, quando lançou o iPad e muitas outras vezes. Ele não questionou se a Internet era suficiente para trocar arquivos, não desistiu porque a computação gráfica estava engatinhando e nem apostou num teclado alternativo, por exemplo.

Inovar de forma consistente obriga a correr riscos que só podem ser avaliados, não eliminados. Quem poderá salvar a Apple?

Antes que me esqueça: não é curioso que Disney e Pixar hoje estejam sem brilho, vivendo muito mais do passado do que do presente? Essa onda de lucro a qualquer preço custa muito caro ao longo dos anos e, enquanto isso não mudar, vamos ter cada vez mais Tim Cooks e menos Steve Jobs.